Pense na seguinte situação: você precisa entregar seu imposto de renda daqui a 2 meses…daqui a 1 mês…daqui a duas semanas…DOMINGO!!!!
Você já sabia que este dia ia chegar desde o ano passado, assim que entregou a declaração anterior, mas esta informação desapareceu da sua memória.
O tempo vai passando e nada. A barriga vai empurrando a obrigação – chata, é verdade – para frente. E você pensa assim:
- Tá tudo bem! Quando eu quiser, eu vou fazer!
Quem já não teve este pensamento?
Existe um mito, escrito lá na antiguidade clássica que conta as epopéias de um grande herói: Ulysses. Parte das aventuras dele tem a ver com outro mito: o do autocontrole.
Ulysses era o capitão de um navio explorador de mares distantes de sua terra natal. No caminho de volta para casa, ele e sua tripulação, teriam que passar por um trecho do mar onde viviam sereias, famosas pelo seu canto sedutor.
Elas eram conhecidas por atrair os marinheiros para dentro da água, encantá-los, destruir seus navios e devorá-los, sem dó.
Sabendo desse perigo, Ulysses mandou que todos os tripulantes tampassem os seus ouvidos com cera para não ouvirem o canto fatal.
Bem consciente de que ele, também, não resistiria, ordenou que o amarrassem ao mastro do navio e que, em hipótese nenhuma, seguissem suas ordens (de desamarrá-lo e direcionar o navio para a morada das sereias).
Assim que se aproximaram do território das sereias, elas começaram a cantar. Ulysses, totalmente seduzido pelo canto delas, ficou desesperado para ser solto e ordenou, com toda a sua autoridade, inquestionável, que fosse desamarrado.
Só que a tripulação, que jamais poderia contrariar suas ordens, não podia ouví-lo, nem obedecê-lo… Ulysses permaneceu amarrado ao mastro e, assim, a embarcação seguiu viagem, se afastando do canto envolvente das sereias.
Ulysses foi se desconectando do encantamento e se deu conta de que sua estratégia de se preparar previamente para enfrentar a ameaça conhecida salvou a todos, afinal, ele sabia muito bem que ninguém resiste ao tentador canto das sereias.
Essa história se aplica bem para quem quer parar de fumar, de jogar videogame, gastar sem controlar as contas e até poupar para a aposentadoria!
Nós pensamos que temos controle total sobre nossas ações e nossos “quereres”. Nós também temos um mito vivendo dentro de nós, o tal do autocontrole.
O que acontece com a gente é que nosso cérebro funciona de um jeito que considera qualquer possível perda como uma ameaça irreparável à nossa sobrevivência.
Herdamos esse registro na memória de nossos antepassados distantes que, por privilegiarem situações que evitassem qualquer tipo de perda, foram bem sucedidos e nos trouxeram até aqui.
Esta perspectiva ancestral é mais forte do que a previsão de recompensa com um benefício no futuro, mesmo que ele seja maior do que o ganho no presente.
A mesma coisa acontece quando queremos uma boa saúde ou tranquilidade financeira.
Desejamos viver bem no futuro, mas abusamos no presente. De comidas gordurosas, bebidas, séries no sofá, etc… Também compramos demais, somos seduzidos pelo novo modelo do celular, carro, computador, tênis, esporte da moda…e a lista vai longe.
Da mesma maneira, não queremos deixar de fazer nada que nos dê prazer no momento para nos dedicarmos a algo sem graça que é difícil de ver a vantagem em fazer agora.
Conclusão, deixamos para depois. Até que não exista mais tempo para depois. E saímos correndo desesperados para cumprir a obrigação.
Ficamos vulneráveis aos nossos desejos imediatos. Somos seduzidos pelo “canto das sereias” e nos afastamos, cada vez mais, de concluir as nossas metas e os objetivos que nós mesmos estabelecemos.
Confiamos cegamente no nosso autocontrole. Na nossa capacidade de fazer bem feito.
Mas, o que ganhamos com isso? Na hora em que terminamos uma tarefa feita às pressas em virtude da pressão de tempo, que estava nos deixando ansiosos e aflitos, ocorre uma sensação de alívio, de missão cumprida. E esta é a recompensa recebida.
Bioquimicamente, temos uma rede de neurotransmissores orquestrando o processo: adrenalina quando vemos o prazo se apertar, dopamina que nos faz ir atrás da recompensa – alívio – nos empurrando a terminar a tarefa e, finalmente serotonina, que nos dá uma sensação de bem estar – conseguimos!
Então, como podemos ser como Ulysses e nos prepararmos para um futuro totalmente previsível?
Precisamos criar planos de ação que nos obriguem a tomar atitudes em benefício de nós mesmos.
A interação com nosso grupo social é uma força gigante para nos colocar nos trilhos.Nossos amigos e familiares funcionam como os marinheiros do navio do Ulysses.
Quando assumimos um compromisso público fica muito mais difícil não fazermos o que combinamos.
Quer parar de postergar a criação da sua reserva para a aposentadoria?
Combine com seus amigos um desafio para ver quem consegue economizar mais naquele mês. Ou, conte para eles que você sim, foi capaz de cumprir sua meta de poupança.
Ou ainda, imponha uma limitação para seus gastos: diminua o limite de seu cartão de crédito para o mínimo possível e direcione o saldo diretamente para um investimento de longo prazo – outra restrição.
Para pensar: quais estratégias você pode criar para se proteger das tentações que vão aparecer, com certeza?
Seja criativo e não se deixe levar pelo canto das sereias!